As lições do governador Neemias para tempos de crise devem ser consideradas pelos nossos mandatários políticos.


        O livro de Neemias está contido na bíblia sagrada, no Antigo Testamento. O povo judeu já tinha voltado da escravidão ou do cativeiro babilônico imposto pela conquista de Jerusalém através de Nabucodonosor, rei da Babilônia.
Homem de sensibilidade, empatia e de sincero amor para com seu povo, após ouvir de um dos seus irmãos que chegaram de Judá, a notícia que Jerusalém estava com seus muros derrubados, portas queimadas e os que voltaram do cativeiro babilônico se encontravam em grande aflição e opróbrio, chorou, orou e jejuou a fim do Senhor lhe conceder favor diante do rei da Pérsia, Artaxerxes.
Ao trabalhar como copeiro deste rei persa, já corria o risco inerente da profissão devido ter que provar, antecipadamente, quaisquer das bebidas que o rei haveria de consumir a fim de proteger a integridade física real. Deus ouviu suas orações e o rei lhe concedera que não apenas fosse para Judá protegido pela escolta real, mas com a madeira necessária para a reconstrução das portas, dos muros e da sua própria moradia.
Nomeado governador pela referida majestade persa num cenário econômico e social desafiador de insegurança alimentar (fome iminente ou persistente para ser mais preciso), carga tributária excessiva diante de uma população já muito afligida pela pobreza, exploração da mão-de-obra pela classe mais elevada, dita “nobre”, que estava levando a população a empenhar suas terras, casas e plantações no intuito de não ficarem sem alimento para manutenção da vida gerou um alto índice de endividamento das famílias judaicas. Estas dificuldades levaram o povo a submeter seus filhos a serem escravos de outros judeus, o que era proibido por Deus, conforme está registrado no livro de Levítico, cap. 5, dos versos 39 a 44. 
A ira de Neemias recaiu sobre os nobres e magistrados, representantes da camada social que estava no topo da pirâmide social à época, os quais estavam emprestando dinheiro, trigo, vinho e azeite a juros aos seus compatriotas mais pobres, o que também era proibido por Deus, pois esta prática só era permitida para com estrangeiros, segundo consta nos livros de Êxodo cap. 22, verso 25 e de Deuteronômio, cap. 23, versos 19 e 20. Neemias, por sua vez, emprestava dinheiro aos pobres, mas não cobrava os juros, como era o correto, a fim de garantir a sobrevivência.
A população estava sendo depauperada pela opressão política que chegou a níveis tão altos num sistema de produção predominantemente agrícola, que tivera que sair das suas propriedades onde produziam trigo, azeite e uvas para ficar refém de quem, teoricamente, deveria protegê-la, qual seja, os dirigentes da nação. Como governador de Judá, Neemias se reuniu com os nobres e magistrados a fim de que restituíssem as terras da população que as empenhou para pagar suas dívidas e se alimentasse como também restituíssem a centésima parte dos juros cobrados dela, ou seja, de 1% a.m. (ao mês) ou 12% a.a. (ao ano) referente aos empréstimos realizados.
As lições do governante Neemias não param por aqui, pois como governador renunciou aos benefícios e privilégios inerentes ao cargo, não cobrava os tributos incidentes sobre os alimentos produzidos, pois entendia que a vida dos seus administrados era mais importante do que explorá-los até a exaustão máxima, ao contrário de governadores passados que impuseram tanto a cobrança de tributos sobre a produção de alimentos quanto um acréscimo de 40 siclos de prata, o que equivale, em valores atualizados, a quantia de R$1.152,67.
Ao invés de buscar privilégios ou até mesmo privilegiar quem se alinhasse ideologicamente a ele, buscou não desviar o foco da sua missão para a qual o fez retornar para Jerusalém, a saber, a reconstrução desta cidade. Como se não bastasse, não aproveitou do seu poder para adquirir terras nem amealhar riquezas para si, para os seus familiares ou apaniguados, sejam estes da classe política, empresarial ou de quaisquer outros segmentos. Pagava às suas expensas para que 150 homens entre os judeus e seus oficiais comessem com ele à mesa, fora as pessoas de outras nações que o visitavam.
Em tempos de crises internas e externas, não faz nenhum sentido que o sacrifício seja apenas da parcela da população que é mais vulnerável ou menos privilegiada economicamente. Sobriedade, austeridade fiscal, controle dos gastos, renúncia, “cortar na carne” devem ser atitudes de todos que estão inseridos neste contrato social (leia-se Constituição Federal e outras normas do país), pois estaremos sob o risco dele ser quebrado devido ao simples fato da parte que o criou e o administra o está descumprindo reiteradamente na ilusão de que o povo não está percebendo que está sendo lesado.

Fonte: Baseado no capítulo 5 do livro de Neemias.

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