Se o “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”, a “democracia militar” é a porta do porão da ditadura.

 

O

 procurador-geral da república, Augusto Aras, antes da sua nomeação para o comando da Procuradoria Geral da República, já acenava ideologicamente para o presidente Bolsonaro, o qual disse à época ter um “alinhamento de conteúdo” e “uma crescente afinidade pessoal” com o então subprocurador-geral da república. Em entrevista à Tribuna da Bahia disse que o atual governo pode ser caracterizado pelo advento da “democracia militar”, justificando que o “militar brasileiro contemporâneo tem muita boa formação técnica, política, sociológica, econômica e filosófica.”    

Os rasgos elogiosos ao capitão reformado do Exército e presidente, favorecera sua indicação por Bolsonaro, tendo em vista o seu alinhamento com os interesses da presidência. Apesar de ter decidido não concorrer à lista tríplice, compareceu a algumas reuniões com o presidente e foi indicado mesmo estando fora da lista da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), situação não ilegal, porém não tradicional devido a aludida lista ser considerada desde 2003 pelos presidentes do período.

Em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico intitulado “Ilícitos de agentes políticos são da competência do Legislativo”, em 19 de janeiro de 2021, num momento que se arvora entre a opinião pública e até mesmo entre aliados, como líderes do centrão, a possibilidade de abertura de um dos 56 pedidos para iniciar  o processo de impeachment (impedimento) para o presidente Jair (Sem Partido-RJ), o PGR, como chefe do Ministério Público da União, concedido pela Constituição Federal de 1988, expressa no referido artigo que “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa.” avoca ou toma para si uma competência não lhe concedida, e pior, que lhe é vedada, qual seja, a de consultor jurídico de entidades públicas (leia-se Presidência da República), como está no art. 129, IX da CF, assim disposto:

 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (grifo nosso)

 

O mais grave é que, sabedor da Constituição, faz alusão impertinente ao instituto do estado de defesa, expresso no art. 136 da CF, a saber:

 

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. (grifo nosso)

 

Se, no momento, não há necessidade de preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social por iminente instabilidade institucional, situação que o próprio PGR registra no aludido artigo que “Neste momento difícil da vida pública nacional, verifica-se que as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia...”, qual a razão de trazer à baila o estado de defesa no momento em que há a ameaça do impeachment para o presidente Bolsonaro, o qual já demonstrou seus arroubos ditatoriais em várias ocasiões? Presume-se que o estado de defesa será ou poderá ser aplicado não pela causa, mas pelo que gerará como resultado, ou seja, ensaios ditatoriais e com o manto da CF para haver cobertura de legalidade, a saber na sequência do art. 136 da CF:

 

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

§ 3º Na vigência do estado de defesa:

I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial; (grifo nosso)

 

O PGR se exime da sua alta responsabilidade, ao registrar no aludido artigo que “Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo.”

Com expressões genéricas como eventuais ilícitos, os quais podem ser tipificados por inúmeros crimes, que não necessariamente os de responsabilidade, estes sim, de efetiva competência do Congresso Nacional, transfere para o Poder Legislativo algumas funções precípuas do Ministério Público como a estampada na CF/88, a saber:

 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

 

Nota pública da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), de 20 janeiro 2021, registra que “Também compete ao Ministério Público a prerrogativa inafastável de investigar a prática de crimes e processar os acusados, inclusive aqueles que são praticados, por conduta ativa ou omissiva, por autoridades públicas sujeitas a foro especial por prerrogativa de função. Não se pode abdicar também dessa missão ou mesmo transferi-la a outras instituições.”

Entre consultoria, conselho, impertinência temporal de instituto constitucional e expressões polêmicas como “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa” e a “democracia militar” há ensaios ditatoriais em curso e infelizmente estes não são os únicos indícios para tal constatação. Preparemo-nos, pois eles estão se muni/mili(ciando).

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