Há uma inverdade sendo dita mais de mil vezes que apresenta-se como verdade porque ainda não foi desmentida.

  O trocadilho do título deste texto advém da famosa frase cunhada por Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, a saber: “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade". Veículos de grande relevância do jornalismo brasileiro, sites especializados no debate jurídico, autoridades políticas vêm repetindo a inverdade, não de forma proposital e consciente, de que os atuais 119 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados contra o Presidente da República dependem da atitude do Presidente da Câmara dos Deputados em rejeitá-los ou dá-los seguimento. No art. 51 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) registra-se:

 

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (grifo nosso)

  A norma máxima balizadora dos crimes de responsabilidade apresenta claramente que a autorização para dá seguimento ao processo de impeachment não advém do Presidente da Câmara, mas dos dois terços dos membros da Câmara dos Deputados.

  O §Ú do art. 85 da CF/88 deixa límpido que as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade serão definidas em lei especial, qual seja, a Lei nº 1.079/1950, a qual, apesar de anterior à atual CF, foi por esta recepcionada, ou seja, permanece válida. Eis o que apresenta o dispositivo constitucional:

 

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. (grifo nosso) 

   O ponto central da controvérsia encontra-se na citada lei especial, pois os requisitos para que a denúncia, a qual pode ser realizada por qualquer cidadão, seja recebida para apuração do crime de responsabilidade do Presidente da República, estão elencados nos arts. 14 ao 18 desta lei; o mais importante, dentro do contexto político atual, é o art. 16, a saber:

 

Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.

       Satisfeitas as condições para que a denúncia seja recebida, a Lei nº 1.079/1950 não faculta ao Presidente da Câmara dos Deputados rejeitá-la ou dá seguimento a mesma, ou até mesmo decidir se os requerimentos de denúncia protocolados serão mantidos ou não sob sua tutela decisória para serem analisados a sua exclusiva conveniência e na oportunidade que julgar cabível. A Lei nº 1.079/1950 é categórica em não admitir omissão nesses casos como se depreende através da leitura do seu art. 19, qual seja:

 

Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma. (grifo nosso)

  Como é evidente, quando cumpridas pelo denunciante as condições estabelecidas pela lei, em linhas gerais, a denúncia é recebida e uma comissão especial é eleita para emitir parecer, o qual, cumpridos os prazos e procedimentos exarados nos arts. 19 ao 23 desta lei, será submetida à votação nominal pela procedência ou não. No caso de procedência da denúncia por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados, admitir-se-á a acusação, suspendendo-se por 180 dias o Presidente das suas funções até a conclusão do julgamento pelo Senado com a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

   Colocar na pressão popular, através de manifestações de rua, o termômetro para dá seguimento aos pedidos de impeachment não é razoável diante da imposição de uma norma criada pelo próprio parlamento e que não pode ser desconsiderada suas disposições sob pena de incorrer em crime de prevaricação. Se há ou não maioria para que a denúncia seja autorizada pela Câmara é fato que a população fará os seus juízos diante do voto de cada parlamentar independente do resultado.

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